segunda-feira, 23 de abril de 2012

O estranho

"Alguns anos depois que nasci, meu pai conheceu um estranho,
recém-chegado à nossa pequena cidade.
Desde o princípio, meu pai ficou fascinado com este encantador
personagem, e em seguida o convidou a viver com nossa família.

O estranho aceitou e desde então tem estado conosco.

Enquanto eu crescia, nunca perguntei sobre seu lugar em minha
família; na minha mente jovem já tinha um lugar muito especial.

Meus pais eram instrutores complementares:

Minha mãe me ensinou o que era bom e o que era mau e meu
pai me ensinou a obedecer.

Mas o estranho era nosso narrador.

Mantinha-nos enfeitiçados por horas com aventuras, mistérios e comédias.

Ele sempre tinha respostas para qualquer coisa que quiséssemos
saber de política, história ou ciência.

Conhecia tudo do passado, do presente e até podia predizer o futuro!

Levou minha família ao primeiro jogo de futebol.

Fazia-me rir, e me fazia chorar.

O estranho nunca parava de falar, mas o meu pai não se importava.

Às vezes, minha mãe se levantava cedo e calada, enquanto o resto
de nós ficava escutando o que tinha que dizer, mas só ela ia à cozinha
para ter paz e tranquilidade. (Agora me pergunto se ela teria rezado
alguma vez, para que o estranho fosse embora).

Meu pai dirigia nosso lar com certas convicções morais, mas o
estranho nunca se sentia obrigado a honrá-las.

As blasfêmias, os palavrões, por exemplo, não eram permitidos
em nossa casa? Nem por parte nossa, nem de nossos amigos ou
de qualquer um que nos visitasse. Entretanto, nosso visitante de
longo prazo, usava sem problemas sua linguagem inapropriada
que às vezes queimava meus ouvidos e que fazia meu pai se
retorcer e minha mãe se ruborizar.
Meu pai nunca nos deu permissão para tomar álcool.
Mas o estranho nos animou a tentá-lo e a fazê-lo regularmente.
Fez com que o cigarro parecesse fresco e inofensivo, e que os
charutos e os cachimbos fossem distinguidos.
Falava livremente (talvez demasiado) sobre sexo.
Seus comentários eram às vezes evidentes, outras sugestivos,
e geralmente vergonhosos.

Agora sei que meus conceitos sobre relações foram influenciados
fortemente durante minha adolescência pelo estranho.

Repetidas vezes o criticaram, mas ele nunca fez caso aos valores
de meus pais, mesmo assim, permaneceu em nosso lar.

Passaram-se mais de cinquenta anos desde que o estranho veio
para nossa família. Desde então mudou muito; já não é tão fascinante
como era ao principio.
Não obstante, se hoje você pudesse entrar na guarida de meus pais,
ainda o encontraria sentado em seu canto, esperando que alguém
quisesse escutar suas conversas ou dedicar seu tempo livre a
fazer-lhe companhia...

Seu nome?

Nós o chamamos: Televisor...

Nota:

Pede-se que este artigo seja lido em cada lar.

Agora ele tem uma esposa que se chama: Computador

e um filho que se chama: Celular! "

Um comentário:

Sónia da Veiga disse...

Adorei!!! :-)
E, como não há coincidências, ainda há pouco tinha acabado de escrever no blogue acerca da influ~encia da televisão (http://pensamentosdaveiga.blogspot.pt/2012/04/memorias.html)!!!

É fabuloso ver estas sintonias! :-)

Beijinhos e boa semana amiga! :-D